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O conhecimento de Brahman que é Ishvara


O conhecimento de Brahman é o tema principal do conhecimento chamado de Vedanta. Mas conhecer Brahman inclui conhecer Íshvara, Brahman com Maya, o poder de tudo fazer acontecer. Esse poder é dito como “na satyam, mithyá iti”, “não é real, é aparente, ou aparentemente real”, mas tem uma realidade que não pode ser negada. Esse poder, chamado Maya, não poder ser afirmado como asat, não existente. Entendê-lo é entender todo o universo, é entender jíva, o indivíduo.

Íshvara é jagat-karanam, a causa do universo, mas, ao mesmo tempo, é seu corpo e sua expressão que é cósmica. Seu corpo é do tamanho de todo o universo – todo o vasto espaço, o ar, o fogo, a água e a terra, inclui o sol e a lua, todas as estrelas e planetas, e todos os vários tipos de seres vivos. E ainda inclui as leis que governam as expressões e os movimentos intrínsecos ao universo, e a lei que governa o funcionamento de todas as leis: leis sobre o fogo, a água, os corpos celestes, os ventos, as estações, os dias, a mente, a aquisição de conhecimento, as emoções, as atrações e repulsões nos diferentes níveis. Essas leis não mudam, são as mesmas desde que o universo existe, são constantes e por isso podem ser estudadas e conhecidas. O conhecimento delas é o que chamamos de ciência.

E para que qualquer criação possa acontecer, mesmo a criação de um simples pote de barro, pressupõe-se inteligência, e esta existe em um ser inteligente. Jíva, o indivíduo, é um ser inteligente, mas com poder limitado. O ser responsável pela criação de todo o universo tem que ser inteligente, pois toda sua criação é relevante, e ter um poder ilimitado, diferente de jíva. Este ser inteligente é chamado em Vedanta de Ishvara. Ele não é uma pessoa, como o jíva é. Ele é um todo cósmico, cuja forma é a totalidade do universo. É por isso que ele não pode ser visto, tampouco imaginado por uma mente humana. A mente humana é incapaz de conceber a totalidade cósmica que é Ishvara. Assim, tudo o que existe e as leis que mantém este todo funcionando em cumprimento às suas próprias leis é Ishvara, o que evidentemente inclui jíva.

Entender isso é importante. A consequência desse entendimento é perceber a totalidade coerente, que é impessoal e incorruptível, que funciona sempre dentro de seu padrão (com regras e suas possíveis exceções) de funcionamento. E, assim sendo, pode-se confiar que funciona com justiça. Sempre. Se o indivíduo percebe essa ordem maior que mantém várias outras ordens em perfeito funcionamento, em ordem, de forma impessoal, ele descobre que pode confiar. Isso porque são leis que não falham.

Como dizia Sri Swami Dayananda: “Deus não é infalível. O infalível é Deus.” Temos que entender a diferença entre as duas afirmações. Não se pode eleger um Deus e dizer que ele é infalível. Mas quando apreciamos o que não falha, a ordem que mantem as várias leis em funcionamento, sem possível falha, podemos nomear essa ordem cósmica inteligente de Deus. É nesse entendimento que nasce, no indivíduo, a confiança, o relaxamento. É só dessa maneira, com esse entendimento, que a vida – física, emocional e intelectual – poderá ser vivida com equilíbrio e paz.

A sabedoria do agir no mundo está na constante capacidade de re-equilíbrio e não no rigor do apego a determinada ação. É como aquele boneco infantil, o João Bobo, que jogado de um lado para outro, retorna sempre a seu prumo. A dualidade da vida e as constantes situações inesperadas e não-desejadas jogam a pessoa de um lado para outro, mas ela pode se re-equilibrar com a apreciação da Ordem que é Íshvara.

Em sânscrito temos duas palavras que significam lei, ordem. As leis dos homens, que estão sujeitas às mudanças de tempo, lugar e particularidades, é niyama. E as leis do universo, que são as mesmas e mantidas por uma grande lei que mantém todo o universo coeso, em ordem, que é níti, a ordem imutável que é Íshvara.

Para nos relacionarmos melhor, ou mais facilmente, com Íshvara, cuja forma não conseguimos conceber, os Vedas nos levam a vê-lo de diferentes maneiras, através dos vários aspectos que o compõem. Esses aspectos, expressões do todo que é Íshvara, são chamados de devas e devís. Através de formas específicas nossa mente consegue visualizar Íshvara. Mas se acharmos que cada um deva ou deví é separado ou diferente de Íshvara, nossa visão será falha, parcial. Se conseguirmos apreciar que todas as formas estão incluídas no todo que é Íshvara, a visão de devas e devís nos ajudarão. Na primeira haverá uma religião, com um conceito específico de deus; na segunda, um entendimento mais completo e profundo de deus. E esse, por fim, poderá conduzir à compreensão da realidade imutável Brahman e, consequentemente, ao entendimento da realidade perecível e mutável que é Íshvara, através do poder de criar, manter e transformar que é Maya. Maya com sua expressão tem beleza e encantamento. O que é imutável, mas ao mesmo tempo a verdade básica de tudo o que existe, é Brahman – aquele que não possui forma nem qualidades, é nirguna e arúpa, e ao mesmo tempo é inerente a tudo que existe.

Om tat sat

Gloria Arieira






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