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Editorial 2007-Janeiro

Gloria Arieira

Dharma

 

O ser humano é diferente de todos os outros seres no universo, pois é abençoado com a capacidade de livre escolha, chamada buddhi, em sânscrito. Ele pode então desejar qualquer coisa nunca antes desejada e escolher o curso de suas ações.

Por isso o universo é tão vasto e também são variadas as lojas e centros comerciais. As pessoas desejam ter cabelos roxos ou louros, terem a pele muito branca, e para isso usam talco, ou estarem bem morenas, e para isso se submetem a raios em clínicas especializadas; desejam dominar o mundo, as forças da natureza, ser deus.

Essa variedade de desejos circunstanciais mudam constantemente, tendo sido satisfeitas ou não. Porém, um desejo é fundamental e é sempre a mola de outros – o desejo de ser feliz.

Ter liberdade na escolha não é escolher qualquer coisa com impulsividade, seguindo exclusivamente suas pulsões de sobrevivência e prazer.

Ter liberdade é ter maturidade, capacidade interna, pessoal, de lidar com conflitos e de escolher a alternativa que esteja de acordo com seus valores e que deixa de lado o que os contradiz.

Maturidade inclui a compreensão de valores universais e da aplicação deles na própria vida e na sociedade em que se vive.

Os valores universais estão fundamentados no senso comum, não precisam ser ensinados na escola, refletem o desejo de todos de não ser ferido, magoado, roubado, enganado, etc. Como são exigências de todos, cada um pode, tendo a si como padrão, intuir o que os outros esperam em suas interações, e por desejar ser respeitado em suas necessidades básicas, respeitar o outro, ao optar por agir em consonância com os valores universais. É algo que se aprende desde cedo na convivência social.

Dharma é uma palavra sânscrita para valor e os valores universais são chamados de s€m€nya-dharma. A natureza desses valores, tais como, a verdade, a não-violência, é universal, pois todas as pessoas desejam a verdade e não a mentira, desejam ser respeitadas e protegidas, independente de cultura, religião ou nacionalidade. Samanya-dharma é o conjunto de valores universais baseados no senso comum, que regem o convívio humano, o conhecimento da natureza universal sobre o que é certo e errado, adequado e inadequado.

Com a faculdade de escolher o ser humano pode escolher o que quer alcançar e o meio para alcançá-lo.

Geralmente os conflitos aparecem não em relação ao objeto final, seu desejo, mas aos meios usados para alcançá-lo.

Por exemplo, a busca de segurança é natural, como também a busca de dinheiro para ter segurança também o é. Porém o meio como este dinheiro será alcançado pode ser adequado ou não.

Os animais não têm escolha, por isso tudo o que fazem é certo, é adequado para sua espécie. Somente quando há escolha pode-se falar em certo e errado.

Valor universal é diferente de preferências pessoais. Essas últimas são chamadas de r€ga e dvea, em sânscrito. Não há certo ou errado em relação a preferências. Posso gostar mais de um objeto do que de outro. Seja um alimento, um tipo de lazer, um esporte, um tipo de roupa. Em relação a estas escolhas ou preferências não há certo ou errado.

Além das preferências ou valores pessoais, há valores culturais que são somente preferências de um grupo particular.

Todas as preferências individuais ou culturais devem estar também de acordo com os valores universais. Apesar dos valores universais não serem absolutos, não há subjetividade, constituem uma ordem sistemática universal para a harmonia no universo. Os gostos e aversões de cada um devem se subordinar aos valores universais, que é samanya-dharma, pois a escolha de um afeta o interesse dos outros.

Para isso se faz necessário descobrir o valor pessoal por cada um dos valores universais. Que é quando cada valor, como por exemplo, falar a verdade, se torna um valor pessoal, “meu valor”. É nesse momento que minha liberdade torna-se total e me conduz ao que me é mais preciosa, a paz, a felicidade, a liberdade do sofrimento.

Desejar dinheiro, poder e prazeres é comum a todas as pessoa. Nada há de errado em buscar esses, desde que sua busca se mantenha dentro do dharma, Quando a aquisição desses desejos vai contra os valores universais, a ação será adharma.

Satisfazendo um desejo através de uma ação inadequada, há uma satisfação imediata, mas a perda é grande. Essa perda não é tão evidente.

Ao contrário, quando nos privamos da satisfação de um desejo porque satisfazê-lo seria ir contra os valores universais, a perda é evidente.

O que acontece, qual a perda possível, quando satisfaço meu desejo, mas uso de meios contrários ao dharma?

A perda não é visível a princípio, é bem sutil, mas interfere a longo prazo no meu maior desejo que é a paz e a felicidade.

Quando uma pessoa diz uma mentira para conseguir algo que deseja, por exemplo dinheiro, há uma divisão criada dentro dela. Qualquer ação pressupõe um pensar e um agir. Quem fala é um “ator”, que faz a ação de falar, no caso mentir, mas há também o “pensador”, que sabe ser falso o que disse.

Cria-se uma divisão interna entre quem pensa e quem age. A pessoa pensa uma coisa, mas faz o contrário, há um conflito criado dentro da própria pessoa. Quem em conflito consegue estar em paz, ser feliz?! Afetada psicologicamente pelo estado de conflito, auto-crítica e culpa, a pessoa eventualmente perde o respeito por si mesmo.

Ao perceber que esta perda é muito maior do que o ganho através da satisfação de seu desejo imediato, a pessoa vai abrir mão da satisfação de gostos e aversões que são antagônicos aos valores universais.

O valor universal torna-se pessoal, deixa de ser uma opção momentânea, para tornar-se natural e espontânea. O meu valor maior é pela paz, por estar confortável comigo mesmo e, para tanto, respeito os valores universais e rejeito o estado de conflito.

Conflito é divisão e oposição entre duas ou mais partes. O conflito de valores acontece quando eu valorizo um valor (não quero que mintam para mim), mas cedo ao mesmo tempo para satisfazer um desejo pessoal imediato (e digo ou defendo uma mentira), criando duas partes antagônicas dentro de uma mesma pessoa. Isto significa que não tenho um valor claro e inteiro por determinado valor, como dizer a verdade. Mas ao mesmo tempo não gosto nem aceito a mentira, pois sei que não tolero nos outros. Dizemos que o valor pela verdade não é claro, não foi assimilado ou compreendido claramente.

Quando ele está claro não consigo abrir mão do valor, quando ele se torna “meu” valor não tenho mais escolha. É um valor pessoal, não exige reflexão, torna-se natural e espontâneo. A escolha do curso de suas ações será naturalmente de acordo com o dharma. Nesse momento o ser humano torna-se completo e maduro, usa plenamente este presente que lhe foi dado pelo criador, a capacidade de livre escolha.

 

Om tat sat

Editorial 2007-Fevereiro

Gloria Arieira

Ao entrar em contato com o vasto conhecimento dos Vedas, nos deparamos constantemente com a tentativa de marcar datas para a história da cultura e da população indiana, entender sua origem genética e determinar a antiguidade e portanto a originalidade do conteúdo dos Vedas.

Max Müller, na primeira metade do século XIX, e outros estudiosos europeus difundem a teoria da invasão ariana, povo originado da Europa e/ou Ásia Central que entra na Índia pelo noroeste do país.

Essa teoria, que rouba o valor, a originalidade e a antiguidade dos Vedas, viria a ser aceita como verdadeira, mesmo por estudiosos indianos, até recentemente, muito após a independência da Índia em 1947.

Ela afirma que 1500 anos antes da era cristã, pastores nômades semi-bárbaros, vindos da Ásia Central ou Norte da Europa, cuja língua é indo-européia, chamados arianos, vieram para o continente indiano. Ao chegar ao vale do rio Indus encontraram uma civilização muito antiga cujos habitantes eram os dravidianos. Os arianos invasores atacaram e destruíram esta civilização. Este povo fugiu para o Sul da Índia. Foram estes arianos que compuseram os Vedas em sânscrito e desenvolveram a grande civilização ao redor do rio Ganges. Esta teoria foi estabelecendo como verdadeira pela urgente necessidade dos britânicos de eliminar o valor pela cultura do país que queriam dominar e extrair todas as riquezas materiais que lá haviam. Tiveram que diminuir a até eliminar o valor da civilização védica e assim fizeram através de uma bem programada e sistemática campanha que menosprezou a cultura, a civilização e a sociedade védicas, incluindo suas origens, como podemos ver em filmar, livros e relatos históricos.

Apesar de muitos relatos de admiração e profunda apreciação, de gregos antigos a modernos europeus, pela Índia, por seu povo e civilização, durante a colonização britânica muito se falou sobre o “primitivismo do hinduísmo” em contraste com “a verdadeira religião cristã”.

Infelizmente, ao mesmo tempo, estudiosos autodidatas europeus adquiriram o conhecimento do sânscrito e não entendendo o que liam, contribuíram para denegrir a imagem da Índia e de sua rica e profunda cultura e conhecimento.

Max Müller, que nunca foi à Índia, escreve que a literatura antiga indiana não tem mais valor do que fábulas e canções e tradições de nações selvagens. Depois de tentar entender os Vedas em vão, declara: “o que pode ser mais tedioso do que o Veda? Seus hinos não fazem qualquer sentido!” Seus estudos e traduções dos Vedas não têm valor de autenticidade, porém até hoje são autoridades para o mundo ocidental!

Foram os europeus que criaram divisões na sociedade da Índia e incentivaram o conflito entre castas. Sabiam que dividindo o povo seria mais fácil governar e mesmo converter. Tal incentivo criou uma divisão entre o Sul, a dita raça dravidiana, e o Norte ariano, o que criou muitos conflitos inclusive preconceito contra o próprio Veda que seria ariano. Com essa confusão foi mais fácil converter o povo ao cristianismo.

Não se pode deixar de citar o inglês Thomas B. Macauly que afirmou que o hinduismo derivou-se de “uma literatura reconhecida como de pouco valor intrínseco... com erros sérios em todos os assuntos importantes.... desprovido de razão, de moral... de superstições monstruosas.”

Se analisarmos arqueologicamente, temos como plataforma a civilização de Mohenjo-daro e Harappa no vale do rio Indus. Arqueólogos como o francês Jean-François Jarrige, dataram o estabelecimento desta civilização em 6000 A.C.

Descrevem o desenvolvimento urbano encontrado como muito sofisticado e só conhecido na Europa 2000 anos mais tarde.

Não há qualquer evidência de guerra que possa ter aniquilado esta civilização, como a invasão de arianos. Há evidências de que o rio Sarasvati mudou seu curso várias vezes devido a inundações e o sítio sofreu com terremotos, além de seca que tomou conta da Ásia a oeste e ao sul. Entre 2000-1900 A.C. o rio finalmente secou. Porém, é interessante saber que nesta área, o deserto do Rajastão, há água a 50 ou 60 metros abaixo do leito seco do rio. O Central Arid Zone Research Institute, Jodhpur, mapeou o rio Sarasvati com imagens de satélites e fotografias aéreas e pesquisas de campo.

Existem hoje outros argumentos contra o mito da invasão ariana. Estudiosos afirmam que não existe raça ariana e muito menos dravidiana. Considera-se raça em sentido geográfico ou agrupamentos de tipos humanos, como asiáticos, europeus e africanos. Arqueólogos biólogos tendo analisado os esqueletos dos sítios de Harappa e Mohenjo-daro afirmam não haver características biológicas específicas para a afirmação de um tipo diferente chamado ariano ou dravidiano.

Em 2006, numa Conferência na Universidade de Massachusetts, Estados Unidos, estudiosos informam sobre pesquisas arqueológicas e astronômicas que concluem que a civilização indiana e sua população é indígena. Afirmam ainda que o povo original do subcontinente indiano e sua cultura seriam muito possivelmente a origem genética, lingüística e cultural da maior parte do mundo.

O Dr. V.K. Kashyap, do National Institute of Biologicals, Índia, afirma na mesma conferência que não há qualquer evidência genética de invasão de um povo indu-ariano na Índia.

Quanto à língua sânscrita ter se originado numa língua chamada indo-européia, não há evidência da existência desta língua tão pouco de um lugar onde determinado povo que falasse tal língua estivesse estabelecido. Aliás, o estudioso Koenraad Elst defende a idéia de que é da Índia que originaram tantas outras línguas por volta de 6000 A.C.

Além disso as línguas chamadas dravidianas, Tamil, Telugu e Mallayalam, têm forte conexões com o sânscrito, e estão mais ligadas a ele do que outras línguas chamadas indo-européias, como o eslavo, o báltico, itálico, germano, celta e línguas derivadas dessas.

Encontramos nos Vedas cálculos matemáticos precisos como de solstícios e equinócios por volta de 8500 A.C., o que faz com que a data do Veda seja anterior. Le Gentil, astrônomo francês que viveu muitos anos na Índia, reconhece que o fabuloso conhecimento indiano não existia em nenhum outro lugar, nem na China, nem no Egito antigo.

Hoje é sabido que são da Índia a invenção do sistema décimal, dos números chamados arábicos e o conceito do zero. Os sábios antigos do ¬g Veda sabiam que a distância entre o Sol e a Terra é por volta de 108 vezes o diâmetro do Sol; conheciam o período dos 5 planetas (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno) e já haviam determinado o ano solar em 365 e 366 dias, milhares de anos antes desse conhecimento aparecer no Egito, na Babilônia ou na Grécia.

Podemos concluir que a teoria de que a civilização indiana tem origem fora da Índia é falsa. Interesses políticos e econômicos levaram à criação de tal doutrina apresentada como certa e indiscutível, e que só se sustentou enquanto não foi questionada e analisada.

A Índia é o berço da mais antiga tradição que se tem conhecimento, e o que é mais incrível – esta tradição em todo seu esplendor está viva até hoje e faz referência a todas as áreas do saber humano. Esta tradição tem sido mantida por mais de 6000 anos através de uma complexa e rica tradição oral, de uma geração a outra, até os nossos dias. Por isso, é adequado o termo “Bharata Mata”, mãe Índia, pois sua cultura e língua são anteriores a de todas as outras civilizações que se têm conhecimento hoje.

O conhecimento da Índia é imenso, profundo e envolve todas as áreas da vida humana. O fato de que tem sido preservado até hoje denuncia uma riqueza intrínseca a ele e eterna atualidade, pois sabemos que o ser humano não gasta seu tempo protegendo o que não lhe é útil. Através do tempo e em todo o continente indiano há uma mesma cultura que carrega um grande tesouro que é ao mesmo tempo secreto, pois só se revela àqueles que a procuram e reverenciam.

A cultura védica não é um somatório de partes, sejam elas geograficamente distantes, ou aparentemente diferente nas várias formas religiosas, artístico-culturais, lingüística, relacionada à alimentação ou vestiário. Todas essas expressões são derivadas de um único Veda que revela uma verdade única que é sua alma transcendental, apesar da relativa diferença nas formas. O espírito védico continua vivo e continuará apesar das mudanças que o mundo moderno pode produzir na expressão de sua forma, pois ele existe além da forma.

O antigo espírito védico, o Sanatana Dharma, está vivo no coração dos milhões que ainda hoje se dedicam a mergulhar em sua riqueza e desvelar seus segredos. Mais do que demarcar datas e local para a tradição védica seremos abençoados ao mergulharmos em sua tradição oral viva e vislumbrarmos sua riqueza ilimitada, a afirmação desvelada de que a verdade única, absoluta e imortal, é a natureza essencial do ser humano e de todo o universo.

 

Om tat sat

Editorial 2007-Abril

Gloria Arieira

Yatra-Uma Peregrinação

 

Em todo o mundo existem lugares considerados sagrados para diferentes religiões. Na Índia, vários lugares são considerados especiais e sagrados descritos nos puranas. Nesses lugares os devotos sentem a presença do divino e o lugar se torna de peregrinação, chamado tirtha em sânscrito. Na Bhagavad Gita, capítulo X, verso 41, Sri Krshna diz que qualquer coisa que seja especial na criação é uma expressão de Ishvara somente.

 

yadyadvibhutimat sattvam srimadurjitameva va
tattadevavagaccha tvam mama tejo'sasambhavam 

 

O devoto é a pessoa que estabelece uma relação com o Todo, Ishvara. Esta atitude de devoção é chamada bhavana e é ela que faz a diferença entre um turista e um peregrino.

O turista visita lugares bonitos e diferentes e usufrui desses lugares, passeia, descansa, se diverte, aprende sobre o lugar e sua gente. O peregrino com sua bhavana visita o lugar com respeito e reverência, tendo se preparado para essa peregrinação com antecedência. Sua atitude o abençoa e ele é uma pessoa diferente depois de cumprir sua yatra, sua peregrinação.
Antes de seguir para o tirtha, o devoto se prepara durante alguns dias. A peregrinação ao templo de Ayyappa, em Sabari Malai, no Sul da Índia, por exemplo, é muito conhecida. Os peregrinos são homens que se preparam por 40 dias antes da peregrinação anual com uma vida celibatária, alimentação vegetariana e orações. A peregrinação é a pé e dura cerca de três dias, sempre acompanhada de cantos devocionais - Sharanam Ayyappa! Suas bênçãos e proteção, Senhor Ayyappa!

Assim também há preparação para a visita aos 108 templos do Senhor Shiva em Tamil Nadu, a Rameshvaram, no sul da Índia, onde Sri Rama foi em busca de Sita Devi, com a ajuda de Hanumanji.

Um grande tirtha é Kashi ou Benares, existem também outros lugares sagrados à margem do Rio Ganges e onde este encontra-se com o oceano, na baía de Bengala.

Há ainda um grande templo que recebe mais de 20 milhões de peregrinos anualmente, uma média de 50 mil diariamente, que esperam mais de quatro horas numa fila para ter a visão, darshanam, de Balaji, a deidade do templo de Tirupati, no estado de Andhra Pradesh, a 200 km de Chennai. Os peregrinos levam muitas oferendas na forma de dinheiro, jóias, relógios, bilhetes premiados, etc., e o templo é famoso por vasto serviço social oferecido à comunidade.
Todos esses e tantos outros lugares são vistos como especiais pela presença de Ishvara sentida pelos devotos, que inspiram outros a fazer também uma visita ao lugar.

Como os cinco templos onde o Senhor Shiva é reverenciado na forma de cada um dos cinco elementos que recebem milhares de visitas mensais. Uma estória conectada a lugares de peregrinação é a do início da criação quando os devas, os seres divinos e os asuras, os seres demoníacos, faziam a batedura do oceano de leite. Dele sai o Senhor Dhanvantari com um pote de néctar da imortalidade, desejado por ambos os grupos. Os asuras ao tentar pegar o pote para si, deixam cair o néctar em quatro lugares que são, então, considerados sagrados e purificadores. O encontro chamado Kumbhamela ocorre nesses lugares e é dito que um banho no rio em um desses lugares, nesta ocasião especial, purifica o devoto.

São esses - Prayag, Haridwar, Ujjain e Nasik.
Além da visita a lugares sagrados ser inspiradora e abençoar o devoto em sua busca espiritual, ou até mesmo com alguma graça desejada, a yatra é purificadora, libertando o peregrino de sua conta negativa de karma.
Mais alguns lugares de yatra são muito conhecidos, são os chamados Chardham (quatro lugares sagrados), situados nos Himalayas. São eles - Gangotri, Yamunotri Badrinath e Kedarnath. Gangotri é o lugar considerado a origem do sagrado rio Ganges; Yamunotri, a origem do sagrado rio Yamuna; Badrinath é um templo dedicado ao Senhor Vishnu e associado à presença de Sri Shankara no lugar. 

No templo ele instituiu a tradição de pujaris, oficiantes dos rituais, vindos de Kerala, o estado ao Sul da Índia onde ele nasceu. Esta tradição é mantida até hoje. E, por fim, Kedarnath, onde há um templo dedicado ao Senhor Shiva.

Uma yatra é iniciada por um devoto com disciplinas, vratas, que o purificam em corpo e mente e focando sua mente no momento especial de união com Ishvara no local de peregrinação.
Assim, a yatra traz uma transformação com o samadhi alcançado, é a oportunidade para a vivência da unidade, advaitam, quando o indivíduo e o todo tornam-se um. Devido a essa experiência final de não diferença com Ishvara, propícia nesses lugares especiais, a peregrinação é feita por tantas pessoas, principalmente na Índia onde toda a criação é considerada a forma manifesta de Ishvara e assim reverenciada.
 

Om tat sat

Uma sociedade se estabelece através de sua cultura, a expressão de seus valores. As várias tradições, religiosas e culturais, têm formas para expressarem um conjunto de valores que lhe são peculiares.

Esses valores constituem o espírito, seu significado, sua alma.

As idéias presentes na tradição e cultura védicas têm formas diferentes para se expressarem e inspirar as pessoas. Essas formas são rituais, festivais, a dança-teatro, as artes em geral. Essas atividades fazem parte da vida de uma pessoa durante todo o ano, a cada dia, de forma a conectar as pessoas com a tradição cultural-religiosa que tem como objetivo a maturidade emocional e o autoconhecimento que inclui o conhecimento do Doador do Universo e sua Ordem. Muitas vezes essas formas deixam de ser entendidas e tornam-se ocas, sem significado para a pessoa ou grupo que as executam, e são deixadas de lado.

A manutenção de uma tradição e cultura é o resultado do esforço para manter essas formas antigas e transmitir o significado delas.

É o que pretendem os mestres da cultura védica ao explicar o significado por detrás da forma, o espírito.

Como o gesto da saudação na Índia, o namastê praticado por yogis e yoginis em todo o mundo. Gostamos da forma, as mãos juntas na altura do peito e a palavra namastê, que define uma tribo, a dos que valorizam a cultura védica como um todo, ou do yoga em particular, e assim nos apoderamos do gesto. Muitas vezes não sabemos exatamente qual o espírito por detrás.

A forma é visível, o espírito não é percebido pelos sentidos, mas está presente e pode ser captado através de informação e sensibilidade.

A manutenção da forma e o ensinamento do espírito mantêm a cultura viva. Foi assim para tantos imigrantes, como os hindus que foram para a Guiana Francesa. Mantiveram com exatidão e apego tantas práticas antigas da cultura védica que hoje tornaram-se referência de várias práticas que não existem mais na Índia. 

Por não quererem perder o vínculo espiritual com sua origem religiosa, mantiveram suas tradições, que algumas vezes perderam o espírito, apesar da preocupação em preservá-lo. Muito mais tarde, com a forma viva e vibrante, o espírito foi novamente instalado para o deleite de todos.

A Saudação namastê no norte da Índia e namaskaram no Sul vêm da raiz verbal sânscrita “nam” que quer dizer reverenciar, dobrar-se, saudar inclinando-se. A suas mãos, que são separadas e diferentes, se unem no peito tornando-se um todo. 

Ao saudar a outra pessoa assim queremos dizer que mesmo vendo que somos duas pessoas diferentes sabemos que somos iguais em nossa natureza essencial, a verdade do indivíduo e do todo que é uma única. “Eu saúdo você e o vejo como não diferente de mim, apesar das diferenças”, significa o gesto. 

Ao mesmo tempo é dito namastê, saudações a você. O gesto e as palavras expressam respeito, o espírito por detrás da forma. 

O respeito não está exatamente na forma, deve ser compreendido e estar presente no coração da pessoa. Assim, forma e espírito unidos, a tradição se mantém viva, é passada de geração a geração, abençoando cada pessoa e conectando-a a uma tradição de valores e às pessoas que viveram em estilo de vida que respeita os valores universais e objetiva moksha, a liberação através do autoconhecimento. 
Respeitando e mantendo a forma, o espírito por detrás é mantido, e a cultura mantém-se viva, vibrante, abençoando seus integrantes.

 

Om tat sat 

Forma e Espírito

 
Editorial 2007-Maio

Gloria Arieira

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