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Editorial 2006-Junho

Gloria Arieira

Criticamos quando não concordamos. Muitas vezes também porque não entendemos e interpretamos erradamente. Algumas vezes há o desejo de entender, mas não a capacidade para fazê-lo. E as razões são muitas. Algumas vezes não há o desejo inicial de entendimento, mas sim a necessidade de diferenciação, de rejeição e afastamento.

Há algo mais, tão profundo na pessoa, que não permite que uma visão diferente da sua possa ser considerada! Uma crença que abafa as possibilidades, nega o potencial de raciocínio e de lógica. Mas que se mantém como um grito pela própria sobrevivência.

Os Vedas, reconhecidamente com mais de 9000 anos, (pois arqueólogos reconhecem como datado por volta de 7000 AC o sítio de Mohenjodaro e Harappa, berço da civilização védica,) sobrevivem até hoje intactos. Na sua riqueza, permitem várias expressões dentro de si, possuindo um vasto corpo de conhecimento e vários mestres.

Têm características essenciais e diferenciadoras – o conceito de liberação, e não somente o de alcançar um paraíso, o conceito de karma, a lei de causa e efeito das ações que ultrapassa um único nascimento, a lei do dharma, na qual uma ação adequada será sempre premiada e uma inadequada trará sofrimento. Devido a estes três conceitos básicos, a tradição dos Vedas é chamada em sânscrito de Sanatana Dharma – a lei eterna, não-humana, inata à própria criação, que governa a ação de todos os seres e seus resultados, conduzindo cada um a situações que oferecem oportunidades de crescimento pessoal. Os Vedas têm em vista que o ser humano possa não somente agir, satisfazendo desejos, como também refletir sobre si mesmo, seus empreendimentos e objetivos e que, tendo alcançado essa maturidade, possa desejar e buscar o conhecimento de si mesmo, libertando-se de toda a sensação de carência e limitação, o objetivo último da vida humana.

Como parte dessa possibilidade maior, objetivando facilitar a organização social, deixando menos tempo para conflitos e mais para reflexão, os Vedas falam sobre uma classificação do ser humano em quatro tipos básicos, comportando centenas de subdivisões.

Para entender essa divisão, analisamos três características básicas presentes em tudo no universo. Como diz Sri Krsna na Bhagavadgita capítulo XIV verso 5, essas características básicas chamadas de “gunas” são sattva, rajas e tamas. Sattva é clareza, discriminação, conhecimento, reflexão; rajas é atividade, desejo, paixão; tamas é inércia, falta de clareza, lassidão. Esses três estão presentes em tudo e todos em diferentes medidas, em momentos diferentes. Não são estáticos, estão em constante transformação.

Dizemos que uma pessoa é sattva, por exemplo, quando sattva predomina na pessoa. Os gunas estão relacionados à ação física e ao mental, a tipos de pensar. Baseados nestes três, nascem quatro tipos básicos – tipos A, B, C e D. 

O tipo A tem predominância de sattva, tem rajas em 2º lugar e tamas em 3º. O tipo B tem rajas em 1º lugar e sattva em 2º, tamas em 3º. O tipo C tem rajas também em 1º lugar, com tamas em 2º e sattva em último.

O tipo D tem tamas em 1º lugar, rajas em 2º e sattva em último.

Isto quer dizer que o tipo A tem facilidade e sente-se confortável com estudos, pesquisa, ensino e atividades que necessitem de concentração e reflexão. O tipo B tem entusiasmo, impulso para realizações e visão de como um grupo, seja uma comunidade, uma nação ou a humanidade, pode ser beneficiado de maneira mais eficiente. O C tem também entusiasmo e impulso para realizações, mas, como tamas e não sattva está em 2º lugar, sua visão é limitada a ganhos pessoais ou a de um grupo restrito como sua família imediata. O grupo D gosta de ser comandado, sente-se confortável e tranqüilo com a liderança de outra pessoa.

Esses quatro tipos são denominados varnas e traduzidos como castas, por se definirem como um sistema de divisão social de caráter hereditário. Esses quatro grupos são chamados de brahmanas, kshatriyas, vaishyas e shudras, conforme Sri Krsna na Gita capítulo XVIII verso 41. Nos versos seguintes, de 42 a 46, a visão dos Vedas em relação a essa divisão é falada. Com predominância de uma dessas características, gunas, apesar de possuir todas as três em constante movimento, a sociedade se organiza através de seus membros em funções ou atividades, visando sua harmonia. Nenhuma atividade é considerada menor ou menos importante, todas são fundamentais para o bom funcionamento do todo, não importando, portanto, o que é feito, mas a maneira, a atitude, com que é feito. Cumprindo com sua parte, cada um colabora para a harmonia de toda a sociedade e, individualmente, alcança uma maturidade visando o bem maior do organismo humano, observando as leis universais de respeito mútuo. Uma vez que direitos e deveres caminham juntos, os últimos são priorizados e os primeiros serão alcançados como conseqüência.

Na ênfase dos direitos, quando nosso foco está na exigência de nossos direitos, estamos mais propensos à frustração e insatisfação, pois não é possível conquistar tudo a que consideramos nosso privilégio; além disso, nessa atenção maior aos privilégios, há possibilidade de negligência dos deveres, a responsabilidade de cada um.

Com este foco na maturidade emocional e a percepção da Ordem Universal, os Vedas têm em vista um ganho nada palpável. Não a conquista de objetos ou riquezas, mas um sucesso pessoal na forma de paz, satisfação, autodomínio e capacidade de discriminação, para que se faça possível o objetivo último da vida humana – a liberação de sua constante sensação de limitação.

Talvez seja o aspecto hereditário dessa divisão social o incômodo ocidental moderno, pois que o ocidente enfatiza a ampla livre escolha em sua globalização, um nivelamento social e cultural.

Há nesta organização social proposta pelos Vedas uma aparente falta de liberdade social, pois o indivíduo parece estar reduzido a um destino predeterminado.

Conceito que se fortalece por problemas sociais tornados públicos na Índia, que porém são mais devido à imensa população, que faz com que qualquer problema tome grandes proporções ao invés de evidenciar a minoria a que se refere.

Não desejo aqui fazer um estudo social da Índia, muito menos propor soluções, menos ainda defender o sistema de castas, tal como existe hoje. Porém faz-se necessário o entendimento de sua organização e proposta originais para que se entenda o objetivo principal da vida humana visto pela lente dos Vedas e diferente daquele visto pelo ocidente em geral. A visão dos Vedas, com muito mais de 9000 anos, aponta o bem maior do ser humano, sem reduzir sua vida a uma única, tampouco o universo a objeto de consumo. E esta visão é sem dúvida benéfica quando considerada para análise e não descartada por medo de ser algo tão diferente do que se quer instituir como norma. Que não seja abraçada, mas ao menos compreendida por sua profundidade e antiguidade, pois que se mantém viva e intacta em seu âmago até hoje.

 

Om tat sat

Editorial 2006-Julho

Gloria Arieira

Quando olhamos para nós mesmos, nos vemos fazendo parte de um universo complexo e múltiplo. Essa complexidade, entretanto, por sua constituição, pode ser reduzida a cinco elementos básicos – o espaço, o ar, o fogo, a água e a terra. Também é importante considerar que esse universo é regido pelo tempo em constante movimento. Nessas considerações, percebemos que o universo é governado por leis que regem tudo, inclusive a nós, os indivíduos. Nosso corpo físico e nossa mente obedecem a leis que podem ser estudadas e compreendidas para que melhor possamos funcionar dentro delas, sem ultrapassá-las, pois isto é impossível. Existem quatro estações principais que governam o tempo cada uma com suas características próprias. E, se alguma coisa acontece fora do esperado, também haverá uma explicação dentro das leis, pois nada é capaz de transpassá-las. A geografia, a oceanografia, a hidrografia, e tantas outras ciências são áreas de estudo das leis que governam o universo, e tudo que podemos fazer é conhecê-las melhor para que possamos viver em harmonia com elas.

Há um organismo único e total do qual faz parte todo o universo conhecido, e ainda por conhecer, e suas leis. Nos Vedas este todo é chamado Ishvara em sânscrito. Ele é a causa inteligente e material do universo. A inteligência presente em tudo, desde uma célula. A própria matéria da qual a criação é feita, incluindo as leis que governam cada aspecto desta criação, seja ele pequeno ou grande. Ele é uma Ordem maior, que mantém tudo isso coeso, mesmo onde há o choque dos opostos, da dualidade.

Qualquer objeto criado possui duas causas separadas – uma material, aquilo do que o objeto é feito;e outra inteligente, um ser capaz de projetar o objeto como ocorre, por exemplo,na criação de um pote de barro. O barro e o oleiro são duas causas necessárias para a produção do pote. Em relação ao universo, porém, estas duas causas não são separadas, existem juntas. A análise do mundo dos sonhos nos ajuda a entender essa coexistência. Quando sonhamos, criamos todo um mundo de sonho, que não existia anteriormente. O sonhador é a causa inteligente do sonho; o material para o sonho são os pensamentos e a memória do sonhador.

Estas duas causas,a inteligente e a material, juntas chamam-se Ishvara. A inteligência, que é constituída de Consciência, é chamada de Purusha, o aspecto masculino do Criador.

O material é Prakrti, considerado o aspecto feminino. A combinação de ambos é Ishvara que inclui a causa e a manifestação, o universo.

Ishvara está em todo lugar, pois o próprio espaço faz parte dele.

Na verdade, dizem os Vedas, para as questões “existe Deus?” e “onde está Deus?”, que somente existe Deus, Ishvara, nada além dele. Ao mesmo tempo, ele pode ser olhado parcialmente através de um de seus infinitos aspectos. Esses aspectos são chamados de devatas ou deidades. As deidades podem ser masculinas, representando as funções de criar, manter e destruir o universo; e femininas, que representam o material para que estas funções possam ser realizadas.

É através das deidades, aspectos específicos do criador, que nos relacionamos com o Todo, Ishvara, pois é muito difícil conceituar ou mesmo imaginar o Todo infinito. E é assim que existem várias deidades e não vários deuses no Hinduísmo.

Quando olhamos para nós mesmos como indivíduos e ao mesmo tempo percebemos o Todo, não nos vemos isolados e sujeitos a intempéries. Ao incluir Ishvara, descobrimos ordem em nossa vida e ao nosso redor e maior objetividade para lidar com fatos desejados ou não, pois percebemos que tudo é governado por leis claras de causa e efeito. Saber que existe ordem, que existe uma causa para qualquer situação, traz tolerância e, ao mesmo tempo, disposição para agir usando nossas capacidades como indivíduos. 

 

Om tat sat

Editorial 2006-Agosto

Gloria Arieira

Segundo os Vedas, nós, indivíduos, podemos perceber e nos relacionar com Deus, o Todo, através das leis e das várias funções da criação.

Nos Vedas, Deus, o criador, é, ao mesmo tempo, a causa inteligente e a causa material da criação. Sendo Deus também a causa material da criação, o efeito, que é o universo, não é diferente nem tampouco separado do seu criador da mesma forma como o sonho em relação ao sonhador. 

Deus, o Todo, que tudo inclui, também chamado de Isvara, é tratado nos Vedas de múltiplas e diferentes formas. 

A princípio Isvara é considerado o criador, o mantenedor e o transformador da criação – Brahmaa, Visnu e Siva. Além dessas três formas, existem muitas outras que representam, de um lado, o aspecto da causa inteligente, que são as formas masculinas, e, de outro lado, o aspecto da causa material e do poder da criação, que são as formas femininas.

Muitas vezes, certas representações e até mesmo certas palavras podem ser confundidas quando não se reconhecem as diferenças sutis entre elas. É o caso, por exemplo, de Brahmaa, o criador, e Brahman, o absoluto. Brahmaa vem da raiz verbal brh, que significa ser grande, crescer. Brahman é um substantivo, o grande, o maior de todos. Entretanto Brahman pode ser ou uma palavra masculina, que é declinada no primeiro caso como Brahmaa, o criador; ou uma palavra neutra, declinada como Brahma, o absoluto. 

É na literatura dos Puranas que as formas de Isvara, as deidades, são descritas. Brahmaa é descrito com quatro cabeças viradas para os quatro pontos cardeais. Quase não existem templos dedicados a Brahmaa, pois todo o universo já é seu templo.

Para que Brahmaa possa exercer sua função de criar, ele necessita de conhecimento. Em qualquer ato de criação, primeiro é necessário ver mentalmente o objeto, ter conhecimento dele para então materializá-lo. Por essa razão Brahmaa é casado com Sarasvati, a deusa do conhecimento (de todos os conhecimentos). Ela aparece vestida de branco, simbolizando a pureza, e segura um instrumento musical, a viinaa, em uma mão, e os Vedas e uma japa-maalaa nas outras duas mãos. A pureza significa a clareza do conhecimento, que deve ser sempre livre de erros e dúvidas na obtenção da forma exata do objeto a ser conhecido.

O instrumento musical representa todas as artes e os Vedas, todo o conhecimento contido na antiga tradição védica, que tem como objetivo último o auto-conhecimento alcançado através de dedicação e disciplinas representadas pela japa-maalaa, o colar de contas, com ajuda da qual se repete um mantra.

Visnu é o mantenedor da criação e está reclinado relaxadamente sobre uma serpente, a Adisesa, que representa o poder latente de criação. Para a manifestação do universo, Brahmaa sai do umbigo de Visnu e tem início o processo de criação. Visnu mantém a criação sem qualquer esforço, por isso ele aparece reclinado. Ele é responsável por preservar a criação, mantendo a lei do dharma. Quando o dharma, o correto, declina no universo, ele toma uma forma e se manifesta no mundo; são os avataras, as encarnações divinas ditas como dez que têm a tarefa de restabelecer a ordem e o equilíbrio entre o certo e o errado, a harmonia da criação.

Entre esses dez avataras estão Rama e Krsna, que vieram à Terra em épocas diferentes.

Para preservar a criação é necessária a riqueza, os diferentes recursos. Então, Laksmi, a deusa da riqueza, é a consorte de Visnu, descrita ao seu lado , algumas vezes massageando os pés dele. Ela possui grande beleza e, além de usar lindas e brilhantes jóias, saem de suas mãos moedas de ouro, ou , às vezes, estão simplesmente jogadas a seus pés.

O transformador ou destruidor da criação é Siva, o auspicioso.

Ele também tem diferentes formas – ou está sentado e medita, dissolvendo a criação em si mesmo; ou como o primeiro mestre, Daksinamurti, destruindo a ignorância; ou como Nataraja, em sua dança da destruição do universo. Sua esposa é Parvati, também conhecida como Uma, Durga ou Kali. Ela representa a força, a energia para que possa haver a transformação.

As três deusas consortes _ Sarasvati, Laksmi e Parvati _ são chamadas de devi, a divina, a deusa, ou sakti, o poder para que a criação possa aparecer e desaparecer. Sem elas nada é possível.

Os aspectos masculino e feminino, que representam respectivamente a causa inteligente e a material da criação, são unidos numa única forma em Ardhanarisvara, cujo lado direito é masculino e o esquerdo, feminino.

As deidades ou devatas são muitas e diferentes, pois representam os diversos aspectos do criador.

A forma de cada deidade é baseada em representações simbólicas dos aspectos ou funções do criador que uma devata representa, e também em estórias contadas pela própria tradição védica que fala sobre a manifestação dessas deidades. Geralmente as pessoas, escutando as descrições e as estórias, escolhem uma deidade que mais apreciam e desenvolvem uma relação especial de devoção a esta forma específica. Essas deidades escolhidas são chamadas de ista-devatas, deidades escolhidas ou amadas.

Uma dessas formas é Ganesa ou Ganapati, muito conhecida em todo o mundo. Gana quer dizer um grupo de seres humanos ou não-humanos; Pati e Isa significam senhor.

O senhor de todos os seres tem a cabeça de um elefante e o corpo de um humano jovem. Estórias contam que ele é filho de Parvati e Siva. Além de removedor dos obstáculos, ele é o senhor da sabedoria, da discriminação. Sua grande cabeça representa seu conhecimento especial. As orelhas apontam a importância de escutar os dois lados de qualquer informação antes de concluir; e a tromba forte e sensível pega objetos grandes e pesados, como o tronco de uma árvore, ou pequenos e leves, como minúsculos alfinetes. Sua barriga é grande, pois ele devora os obstáculos de seus devotos.

Ganesa simboliza discriminação, análise, a capacidade de escutar com concentração e sensibilidade para que um conhecimento possa ser adquirido e assimilado livre de obstáculos que possam aparecer no processo.

Antes de qualquer ritual simples ou elaborado, é feita uma puja para Ganesa a fim de eliminar os obstáculos que possam aparecer. Também antes de iniciar qualquer atividade, Ganesa é invocado e uma oração é feita a ele para que haja sucesso no que está sendo iniciado.

É através de uma devata, que o indivíduo encontra sua relação com Deus, o Todo.

 

Om tat sat

Editorial 2006-Dezembro

Gloria Arieira

O ser humano está em constante busca que denuncia sua insatisfação consigo mesmo. Ele se vê como uma pessoa carente de várias maneiras e quer ser diferente do que é no momento. Esse desejo de ser diferente está dentro de quatro categorias chamadas coletivamente de purusharthas, e que são: artha, a busca de segurança, kama, a busca por prazer, dharma, a busca por ser correto, e moksha, a busca pela liberação de todo sofrimento e sensação de limitação.

Esses quatro desejos fundamentais são comuns a todos os seres humanos e por isso são descritos no Veda, corpo de conhecimento antigo da humanidade preservado na Índia há mais de 7000 anos.

As primeiras duas buscas, de segurança e prazer, são comuns também aos animais.

Artha, a busca de segurança, inclui a busca de tudo aquilo que significa segurança – riqueza, fama, poder. Os animais também buscam segurança porque em concordância com os humanos sentem-se inseguros. O cachorro enterra um osso, pássaros fazem ninhos, abelhas estocam mel, insetos constroem suas casas para se protegerem e lugares de estocagem de alimento.

A busca por prazer, denominada kama, inclui todos os tipos de satisfação. Está disponível através dos sentidos. Para os animais o prazer é mais simples do que para os seres humanos, pois depende exclusivamente de seus instintos.

Os seres humanos desejam prazer a partir de seus instintos naturais combinados com uma série de valores pessoais adquiridos.

Cada um ao viver num determinado tempo/espaço, numa determinada sociedade, em época específica, desenvolve um conjunto de gostos ou aversões por objetos, e neutralidade em relação a outros que muda constantemente dependendo de diferentes fatores. O tempo muda, o lugar também, tanto quanto o próprio objeto e a pessoa.

A busca humana pelo prazer inclui obter o que é desejável e evitar o indesejável, e essa busca parece não ter fim.

Para animais a vida parece mais simples pois são governados por instintos que os protegem. 

Eles jamais erram ou são impróprios em suas ações, dentro de sua espécie. Os seres humanos não são protegidos pelos instintos.

Eles possuem um intelecto, chamado buddhi em sânscrito, que os permite julgar e escolher de forma pessoal e subjetiva. Seus valores mudam constantemente e assim mudam seus desejos e buscas.

É por isso que se faz necessário seguir um padrão de valores que considere o ser humano como um grupo e, mais ainda, o universo como um todo. Para que uma pessoa possa ser respeitada em seus desejos e necessidades, ela precisa igualmente respeitar os outros todos que usufruem do universo como ela. Não pode estar indiferente às necessidades e desejos seus nem dos outros.

Este grupo de valores que devem governar a vida do ser humano é chamado de dharma. O dharma não é necessário para os animais, mas é indispensável para que os seres humanos possam respeitar e serem respeitados. Quanto mais claros estiverem esses valores, mais fácil será para as pessoas poderem escolher entre o que é adequado e o que não é adequado.

Não é difícil determinar o que é a melhor escolha em cada circunstância, pois basta observar como a própria pessoa gostaria que fosse feito com ela. Os valores básicos estão estabelecidos no senso comum. O ser humano tem a capacidade de avaliar sua ação e o efeito que ela poderá ter nos outros, e assim escolher mais adequadamente. Esta capacidade é típica do ser humano, a capacidade de livre escolha governada por valores.

Para os seres humanos o dharma tem que ser a primeir das quatro categorias. Os animais são livres desta categoria e por isso chamados de dharma-adharma-vimuktah, livres de certo e errado, governados por instintos. Todas as pessoas, porém, têm que estar conscientes de suas escolhas e do efeito que elas causam em outros, pois todos os seres sem exceção no universo desejam viver e ser feliz.

Por fim, o quarto desejo na categoria das buscas humanas – a liberação. Este desejo só aparece quando a pessoa percebe a limitação das outras buscas. Para que isso seja possível faz-se necessário uma maturidade que nasce da auto-reflexão, ou seja, a percepção de que as buscas de segurança e prazer não produzem uma satisfação definitiva. A pessoa continua insatisfeita e carente mesmo tendo acumulado bens, confortos, fama. Ao mesmo tempo, momentos de plena satisfação acontecem, apesar de não haver a satisfação de algum desejo específico.

Quando esses momentos acontecem, a pessoa não tem desejo de que alguma coisa aconteça ou que ela seja diferente.

Há uma satisfação total em si mesmo que inclui a aceitação de si mesmo, do outro e do mundo, exatamente como são.

Este estar satisfeito consigo mesmo e o mundo ao redor, livre do desejo e da pressão de ter que ser diferente ou de ter que modificar o mundo para sua felicidade, é moksha.

Esta liberdade inclui conhecimento de si mesmo como já livre de toda a carência, um ser pleno em si mesmo.

Somente o ser humano é capaz de se descobrir livre da insatisfação e do desejo de ser diferente, mas para isso ele deve desejar esta liberdade e busca-la.

Este momento é verdadeiramente um “turning point”, um momento de virada na vida, como diz a Katha-upanishad, capítulo II, seção I, verso1 –

“.....Uma pessoa rara, com maturidade e discriminação, desejosa da imortalidade, vira seus olhos para o outro lado, para si mesmo, e percebe o Ser (que é pleno e livre)”.

 

Om tat sat

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