O Estudante nos Vedas
Brahmacarya _ o estudante nos Vedas
A tradição védica estabelece quatro aashramas ou etapas da vida para o ser humano. Cada uma delas se estabelece através de algum ritual que marca esses momentos de transição na vida de uma pessoa. Esses aashramas são: Brahmacaarya Gaarhasthya Vaanaprastha Sannyaasa. Eles podem ser traduzidos por: a fase do estudante, do casado, do aposentado e do renunciante. Existem rituais bem estabelecidos na cultura védica, chamados samskaaras, para a entrada na fase de estudante e de casado. Samskaaras são rituais que abençoam as pessoas para que tenham força e possam alcançar maturidade para seguir em suas vidas através das conquistas e fracassos, alegrias e tristezas, satisfações e conflitos que serão naturais. A fase do estudante, brahmacaarya, é bastante enfatizada. De fato vemos em várias culturas, principalmente nas antigas e em tribais, algum ritual de inclusão da criança no mundo adulto. É um ritual de passagem que conscientiza o jovem da necessidade de sua adaptação ao mundo adulto, de desenvolver responsabilidades e de se preparar para participar da sociedade como contribuinte. Dessa maneira, o jovem é vinculado a seus antepassados e a seu grupo social e religioso e prepara-se para ser ele mesmo, no futuro, a conexão com as mais novas gerações, através da etapa do casamento que ocorrerá mais tarde para ele. Existem vários rituais relacionados a essa etapa, como o Upanayanam, o mais antigo e tradicional, no qual a criança ou o jovem é iniciado em mantras que serão repetidos diariamente, acompanhados de mudraas que são gestos específicos com as mãos. Japa, a repetição de um mantra, ajuda o estudante a conhecer sua mente e a ter controle sobre ela. Até a idade de uns oito anos, a criança somente brinca, sem responsabilidades. Antes do Upanayanam, outro momento importante é ritualizado, é um ritual mais simples chamado Vidyaarambha, o início do estudo com a alfabetização, e depois o Vedaarambha, o início do estudo dos Vedas, na forma de memorização do seu Veda específico de família e posteriormente o estudo para entender o que dizem os mantras védicos. Faz parte do ritual Upanayanam o jovem comer em casa uma refeição do seu gosto que será a última que satisfaça seu desejo, a partir do ritual da fase de estudante, ele terá que comer somente o que lhe for dado. No passado, antes das invasões e do domínio estrangeiro na India, esses rituais eram feitos para crianças de ambos os sexos. Atualmente é mais comum serem realizados para meninos, apesar de estar havendo uma mudança em relação a isso. É o ritual de Upanayanam que dá ao jovem o status de “nascido duas vezes”, dvija. O ritual é descrito: a noite anterior o rapaz passa em silêncio, na manhã seguinte ele faz uma refeição com a família, a mãe prepara os alimentos do agrado do jovem e depois do banho cerimonial, alguns brahmanas são alimentados; seu cabelo é raspado com a exceção de um tufo; ele veste roupas simples, dirige-se ao professor e diz que quer tornar-se seu estudante e estudar.O mestre o aceita e lhe dá um pano para cobrir a parte de cima de seu corpo como sinal de respeito em rituais e cerimônias religiosas nas quais participará daqui para frente. É colocado nele um cordão sagrado feito de algodão. Esse cordão, chamado de yajn~opaviitam, será trocado uma vez por ano, numa cerimônia anual, ou em qualquer ocasião em que a troca seja necessária. São na verdade três cordões amarrados por um nó chamado brahmagranthi. Quando o cordão é colocado, um mantra específico é cantado para que o estudante tenha força, vida longa e alcance a libertação final. Quando o rapaz se casa, ele usa mais um conjunto de três fios que seria de sua esposa. O cordão sagrado fica pendurado no ombro esquerdo, mas durante o período de rituais fúnebres para sua família, o cordão é colocado ao contrário, pendurado no ombro direito. Em algumas ocasiões pode ser necessário colocar o cordão, provisoriamente, enrolado no pescoço, como um colar. Depois, um tipo de bengala é dado ao jovem, lembrando que ele é um viajante na vida e desejando que ele possa chegar a seu destino final, a libertação. Então o mestre coloca água nas mãos juntas do estudante, invocando que a água o purifique e que então possa ser ensinado o Gayatrii-mantram a ele. Após isso, é pedido ao estudante que olhe para o sol; como o sol segue seu caminho continuamente, sem falhar, que o estudante possa também seguir seu dharma. O estudante é aceito pelo professor que toca seu ombro direito desejando que seus corações possam permanecer unidos para que o ensinamento aconteça completa e adequadamente. O discípulo, sendo perguntado, diz seu nome e de quem é aluno. O professor o recebe e pede que os deuses cuidem dele, pois sabe que o sucesso desse empreendimento não depende exclusivamente dele. O estudante dá, então, a volta ao redor do fogo ritualístco e faz os oferecimentos ao fogo. O Gayatrii-mantram é ensinado a ele e repetido três vezes. E então o estudante nasce a segunda vez, tendo o mestre como pai e a deusa Gayatrii como mãe. A seguir, o estudante sai a pedir comida em três casas, lembrando ao jovem que ele depende da sociedade para seu sustento e no final de seus estudos ele será um contribuinte para a sociedade. É pedido a ele que permaneça por um período de três dias sem comer sal, dormindo no chão sem conforto e somente à noite (não durante o dia), no final desse tempo há um ritual para que Medhaa ou Sarasvatii o abençoe com capacitação para o conhecimento. Este ritual é importante e significativo para o estudante; marca sua vida e o inspira para sempre. Em diferentes Upanis.ads temos a informação do estudante dirigindo-se ao mestre e a atitude respeitosa e de confiança que é dedicada a ele. S’vetaketu vai para o mestre aos doze anos e permanece estudando por doze anos. Na Taittiriya Upanis.ad, vemos o discurso final do mestre a seus discípulos que vão embora do gurukulam depois dos estudos e, entre outras coisas, o mestre os orienta a se casarem sem negligenciar o contato com o conhecimento e as disciplinas diárias. Os Vedas enfatizam a fase do estudante, e em especial do estudante de Vedanta, o conhecimento da parte final dos Vedas, as Upanis.ads que tem como assunto a realidade absoluta, chamada Brahman. Este estudante ou brahmacaarin é também um mumuks.u, um buscador da libertação final chamada de moks.a. Existem outros nomes significativos que são dados ao estudante, como antevaasin, aquele que convive com o mestre, s’is.ya, aquele que tem a capacidade de estudar, e adhikaarin, aquele qualificado para o conhecimento. Numa escola ou gurukulam para o estudo de Vedanta, o ritual que institui o jovem como estudante, brahmacarin, também é realizado. O estudante recebe de seu mestre um novo nome e um mantra; sua cabeça é raspada com a exceção de três fios (que serão raspados no ritual de sannyaasa ou renúncia final) que representam a ligação única com o mestre, os Vedas e Deus, todas as outras ligações e apegos são deixados de lado; depois ele recebe uma banho cerimonial que visa libertar o jovem de todo o paapam (ações negativas) cometido por ele até então; seu corpo e mente tendo sido purificados, ele recebe um cordão de algodão que é usado do ombro esquerdo até bem embaixo da cintura do lado direito de seu corpo. Esse ritual vincula o estudante de Vedanta a seu mestre. É uma oportunidade para que a pessoa possa afirmar seu desejo pelo conhecimento que lhe dará a libertação final, moks.a, e possa estabelecer seu compromisso com uma vida de estudos e meditação, com a atitude de karma-yoga ao fazer as ações que devem ser feitas e receber os frutos que advém delas sem reagir, como também com a atitude devocional de apreciação de Iis’vara e deliberado relacionamento com Ele. Um ritual é a oportunidade de reconhecer momentos cruciais de mudança na trajetória do ser humano e oficializar esses momentos, relacionar a pessoa a outros de seu grupo social e receber seu apoio, ungir a pessoa para que ela possa viver plenamente esta nova etapa e crescer, amadurecer plenamente, encontrando significado, suporte e satisfação na vida. Analisando psicologicamente a vivência de um estudante de Vedanta num gurukulam, vemos que o ambiente é semelhante ao de sua família de sangue. O mestre é o pai e a mãe, ou pode ser visto como o pai e Gayatrii Devi (e as muitas disciplinas de sua vida meditativa) são a mãe; os outros estudantes são seus irmãos. A família do mestre segue o mesmo modelo de família onde há proteção, aprendizado e capacitação para enfrentar a vida adulta. O estudante deseja a atenção do mestre e a compreensão dos colegas, algumas vezes competindo com eles. Ele tem no gurukulam a oportunidade de rever suas emoções, seus desejos e suas vaasanas, as tendências adquiridas. Será uma oportunidade de amadurecer emocionalmente e de desenvolver vairaagya, desapego, e svaatantrya, a capacidade de governar a si mesmo e sua vida com independência, seja casando-se ou seguindo a vida de renúncia, sannyaasa. Na etapa de casado, a pessoa trabalha, tem filhos e contribui de várias maneiras para a sociedade. Em vaanaprastha, a fase do aposentado, que começa por volta de sessenta anos de idade, a pessoa continua a apoiar sua família, mas começa a se retirar de suas obrigações que são assumidas pelos filhos. Por fim, os sannyaasins ou renunciantes vivem uma etapa de suas vidas onde há a oportunidade de renunciarem completamente às obrigações e preocupações relativas à sociedade e às suas famílias e o direito de dedicarem-se à vida espiritual. As quatro etapas da vida são aconselhadas para todas as pessoas; poucos conseguem renunciar sem terem passado pela vida de casado! Cada etapa tem suas conquistas e maturidades e conduz a pessoa à conquista final da vida humana que é moks.a, a liberação final de todo sofrimento através do conhecimento de sua natureza eterna e livre de qualquer limitação. Por fim o estudante pede a autorização e as bênçãos do mestre para sair do gurukulam e seguir sua vida. O mestre o abençoa e o estudante dá uma dakshinaa, uma doação na forma de vacas, terras, ouro etc. Nenhuma doação é considerada excessiva pois a doação de conhecimento é uma grande bênção e é o diferencial na vida de uma pessoa. Om tat sat Gloria Arieira