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40 anos de Vedanta no Brasil


40 anos de Vedanta no Brasil

Gloria Arieira

Abril 2019

Vedanta é um conhecimento muito antigo, para toda a humanidade, preservado na Índia desde muito tempo. Mais do que o conhecimento encontrado no final dos Vedas, em sânscrito, Vedanta é uma tradição de ensinamento. Então, apesar de estar disponível na forma de livros em diversas línguas, a tradição de conhecimento, com seu método específico, não é bem conhecida.

Vedanta não é uma proposta filosófica, nem psicológica, nem é uma religião, é um meio de conhecimento que tem como tema o Eu eterno livre de limitação. Para entender a visão de Vedanta é preciso querer muito, requer que a pessoa anseie por entender a realidade.

Quando a busca é urgente, a pessoa não encontra sossego enquanto não resolve essa ânsia. A vida é vista como um grande quebra-cabeça a ser resolvido; a peça que falta para que a vida ganhe significado tem que ser encontrada urgentemente. Tudo o mais fica para depois!

Foi assim que uma brasileira, recém-casada, de 20 anos, foi do jeito que se fez possível para a India com seu marido. Ambos preparados para qualquer sacrifício para encontrar essa peça que faltava do grande quebra-cabeça da vida.

Foram para estudar, entender e poder relaxar para viver a vida que se apresenta para ser vivida a cada instante. Nada mais do que isso. Ensinar não estava no plano inicial. Entender o mistério, sim!

Dois grandes mestres eram os professores – Swami Chinmayananda e Swami Dayananda. O primeiro foi ao Brasil, em 1973, quase por acaso, e deu 2 palestras no Rio de Janeiro, e foi nessas palestras que se tornou claro existir um conhecimento que faz sentido, que possui lógica, sobre a causa única de tudo que existe. O segundo foi conhecido no ashram, na India, pois era quem dava a maioria das aulas. A escola era Sandeepany Sadhanalaya, num subúrbio de Mumbai, o ano era 1974, e os estudos foram até 1978.

Swami Chinmayananda teve a importância de ser o primeiro a ensinar Vedanta em inglês, no modelo tradicional, nos anos 1950. Até então só se ensinava em sânscrito e nas línguas indianas locais. A partir de Swami Chinmayananda, uma pessoa que soubesse inglês e estudasse sânscrito, poderia entender com clareza quando ensinada por um bom professor.

Ele também transmitiu aos estudantes a importância da dedicação, do compromisso, das disciplinas e da devoção.

Swami Dayananda deu a nós, os alunos, a compreensão clara do conhecimento do Ser absoluto; mostrou a diferença entre fé, uma crença para a qual não cabe demonstração, e o conhecimento que necessariamente nasce de um meio válido de conhecimento (como, por exemplo, só os ouvidos são meio válido para o conhecimento de um som) que possui lógica e clara demonstração, produzindo assim um conhecimento livre de dúvidas.

Swami Dayananda também nos ensinou a acomodar todo o universo e tudo o que nele ocorre, incluindo nossa pessoa, como relativos, limitados e mutáveis que são. Se for necessário e assim você quiser, depois de acolher e acomodar, faça o que for possível para mudar o que achar que deve, dizia ele. Mas, o mais importante que ele nos ofereceu foi o rigor da lógica e do entendimento da realidade absoluta, imutável, que é a verdade essencial de tudo.

Em dezembro de 1978, depois que os estudos se completaram, Swami Dayananda veio ao Brasil e deu aulas no Rio de Janeiro e São Paulo por duas semanas. E foi depois disso, em janeiro de 1979, que comecei a dar aulas de Vedanta.

Nós, seus alunos, levamos o conhecimento de Vedanta, que nos foi transmitido e adquirido, para várias partes da India e do mundo. A diferença na forma de Swamiji (Swami Dayananda) ensinar vinha da tradição rigorosa de Vedanta que ele absorveu de seus mestres e os estudos feitos com eles. Rigorosa pois não está aberta a visões e interpretações pessoais. E a maioria de nós segue o mesmo método com rigor e precisão.

São 40 anos de ensino de Vedanta no Brasil. Para começar o estudo, o ouvinte tem que descobrir o diferencial que é Vedanta, sua relevância e profundidade. Isto porque o tema é o Eu livre de forma, livre de uma personalidade, de um corpo físico, da energia vital, da mente ou do intelecto, os diferentes componentes que constituem a pessoa.

A exposição ao Vedanta começa com o apontar a pessoa carente que o ser humano é, apesar de todas as conquistas ao longo da vida, de segurança social e financeira, de prazeres vários adquiridos, de conquistas invejadas por outros. Apesar de tudo isso, existe uma busca natural humana que não se desfaz, que é a busca de ser completo, de estar confortável consigo mesmo. E a pessoa tem que perceber que nada no mundo consegue aquietar esse sofrimento da pessoa carente. Esse é o problema humano comum e básico: a carência. Depois disso, a pessoa há de ter o entendimento de que qualquer que seja a aquisição no mundo, nada de fato resolve essa carência. E a consequente descoberta de que nossos meios comuns não resolvem e nunca resolveram esse problema. Desejamos uma satisfação completa em nós mesmos, que não acontece e, ao mesmo tempo, esse desejo não consegue ser descartado. Isso porque, apesar da carência, temos experiências de plenitude em nossas vidas. Por ser um desejo natural e comum a todos, como é a fome e a sede, não se pode descarta-lo, e assim tem que haver um meio para satisfazê-lo. Além disso, vemos pessoas satisfeitas consigo mesmas, sem a satisfação de um desejo ou a aquisição de algo especial ou significativo no mundo. Tudo isso é um mistério, um quebra-cabeça a ser resolvido.

Há um importante momento em que nos vemos encurralados, há uma carência constante que nada consegue resolver, mas para a qual tem que haver uma solução. É assim que se constitui a busca mais importante da vida – libertar-se da sensação de carência. E essa busca é então priorizada.

Vedanta ajuda a pessoa a entender o problema e a resolvê-lo. Mostra o quanto a ação é inútil aqui, pois traz mudanças que não serão definitivas, que manterão a pessoa carente; qualquer mudança está sujeita a nova mudança. Para se constituir uma solução definitiva, o Ser completo, não carente, tem que já ser existente e disponível. A solução se estabelece no conhecimento do Eu completo sempre presente, mas não reconhecido.

Quando o problema é entendido, mesmo sem a solução, já se estabelece um relaxamento interno!

E Vedanta é o meio de conhecimento para o Eu, que não é o corpo, a mente, conhecimentos, ignorâncias; pois todos esses, apesar de serem tomados como eu, são objetos percebidos pelos sentidos. O Eu aqui mencionado não é objeto dos sentidos. Para ser conhecido exige um meio de conhecimento, que serão palavras ditas por alguém que entendeu o assunto e tem o método tradicional de ensinamento sob seu domínio e uso.

E, assim, para falar sobre tudo isso, começaram as aulas de Vedanta no Rio de Janeiro, e aos poucos em outras cidades do Brasil.

As comunidades de yogis, que já existiam em 1979, resistiram muito. Os professores de Yoga desaprovaram, afirmaram que Yoga e Vedanta eram diferentes e tentaram afastar os yogis das aulas de Vedanta. Muitas vezes recebi críticas diretas e enfrentamentos ao longo desses 40 anos, em especial nos primeiros 15 anos em que estive a ensinar Vedanta. Mas segui meu caminho ensinando Vedanta dentro da tradição de ensinamento de mestres como o Swamiji e Sri Shankara.

Logo no início, tentei mostrar que Vedanta é somente um conhecimento, porém há um estilo de vida muito importante para preparar a mente para o estudo, para o entendimento do livre de limitação que é a verdade do Eu. Então, incluí, como é feito na India, a meditação, a puja, o simbolismo contido nos Vedas, as histórias conectadas à tradição dos Vedas. Contei o Mahabharatam, o Ramayana, Bhagavatam, histórias de Ganesha, de Shiva, Rama, Krshna, as várias devis etc. E sempre convidava o Swamiji a vir ao Brasil e falar para os alunos.

As aulas enfatizavam o estilo de vida, que é chamado de Yoga, e o compromisso com a verdade, os valores, o gerenciamento das emoções, a relação do indivíduo com o Todo e suas várias formas simbólicas. Logo em 1982, comecei a organizar fins de semana de aulas e satsangas para o convívio dos que estudavam Vedanta. Isso é importante pois cria um grupo de identidade, de suporte. Questionamento e desapego eram sempre enfatizados, assim como a maturidade emocional, como apoio ao estudo de Vedanta.

Nas vindas de Swamiji, que foram muitas, desde dezembro de 1978 até 2004, ele sempre ensinou Vedanta e levantou questionamentos de forma encantadora e profunda. Numa ocasião, ele explicou que Deus não é infalível, mas o infalível é Deus. E mostrou também a diferença. Se a pessoa estabelece que Deus é infalível, ela se sente frustrada e enganada (até mesmo magoada) quando suas orações não são satisfeitas. Mas quando se compreende que há uma Ordem inteligente e impessoal que governa o universo através de leis claras e bem estabelecidas, que podem ser conhecidas pelas várias áreas da ciência, entendemos que essas leis não falham, são infalíveis. E o que é infalível é o que chamamos Deus.

Quantas vezes ele disse que a liberação é a natureza do Eu, e que este fato tem que ser entendido, não há nada a ser alcançado. Em tantas outras visitas, evidenciou confusões de entendimento, como “as religiões têm o mesmo objetivo, levam ao mesmo lugar”. Mostrou como em geral o objetivo das religiões é alcançar o céu, depois da morte. Mas os Vedas dizem que o objetivo maior da vida é conhecimento, é entender o Eu que é idêntico a Deus e ao universo, uma única realidade. “Você é o que deseja ser”, disse ele tantas vezes.

De fato, conhecimento, clareza, é a maior bênção na vida de uma pessoa, ainda mais quando o conhecimento é de quem sou.

O ensinamento de Vedanta na língua portuguesa nesses 40 anos abençoou muita gente. O conhecimento claro da verdade liberta.

Ensinei no Rio de Janeiro, depois, quando meus filhos cresceram, comecei a viajar pelo Brasil e depois para Portugal. Traduzi vários textos de Vedanta que se tornaram apostilas e, depois, livros ao longo dos anos. Ofereci em português um livro de orações dos Vedas para quem quisesse fazer uma oração significativa se conectando mais estreitamente com o Todo. Organizei, revisei e traduzi vários livros do Swamiji. Os livros foram publicados com a ajuda de muitas pessoas. Tudo o que foi feito ao longo desses 40 anos devo ao suporte, ao apoio, à ajuda de muitos – do Swamiji, de meus pais, meus filhos, familiares, alunos, alunos que se tornaram amigos. Esse trabalho inspirou muitas pessoas. Algumas pessoas foram também para a India e estudaram com o Swamiji e com outros alunos do Swamiji. E voltaram para ensinar.

Foram muitas realizações durante esses 40 anos. Sempre tive suporte e ajuda para realizar tudo que foi realizado nesses anos, inclusive a criação de uma instituição sem fins lucrativos e a manutenção desta para viabilizar o trabalho, no Brasil, de aulas presenciais e agora também on-line, de publicação de livros e outras atividades relevantes. Tem sido um trabalho de ensino e proteção dos Vedas que foi iniciado por meus dois mestres, do qual faço parte e que continuará depois do meu tempo. O mais importante hoje é saber que esse trabalho de ensino tradicional de Vedanta na língua portuguesa continuará, pois muitos alunos meus estão ensinando também, com o mesmo respeito e compromisso com Vedanta, os mestres de nossa tradição e nosso sampradaya – a própria tradição de ensinamento que é passada de professor ao aluno.

Om sri gurubhyo namah.

Saudações aos mestres

Esse artigo foi escrito a pedido de Márcio Assumpção para uma publicação do Instituto de Yoga Terapia de Campinas, SP.


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