Mandodari -- a esposa de Ravana
- Gloria Arieira
- há 23 horas
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por Gloria Arieira
(Texto apresentado no Intensivo de Vedanta 2025)
Todos nós, humanos, temos muito de Rama e de Ravana em nós!
O que faz a diferença é a capacidade de Viveka e Vairagya -- perceber seus próprios impulsos e pontos cegos e ter a decisão e a força para agir de forma apropriada conforme seus valores mais altos de respeito e não agressão.
Rama é conhecido como Dharma-purusha -- a personificação humana do Dharma, do correto, ele é a perfeição na Terra.
Todos seus atos, palavras e pensamentos refletem seu compromisso com o Dharma.
Ele é descrito como o filho ideal, o marido ideal, o irmão ideal, o amigo ideal e o rei ideal.
Devido ao seu compromisso com o Dharma, ele é mandado para a floresta por 14 anos, obedecendo ao comando de seu pai. Ele é o perfeito yogi ao lidar com a mesma atitude serena com relação às situações de dor, sofrimento e alegria.
No Ramayana, vemos Rama lidando com respeito, atenção e carinho com cada uma pessoa que está em contato com ele. Ele ensina sobre o Dharma a cada momento.
Sita é sua querida esposa que o acompanha sempre, na vida e no entendimento do Dharma, na clareza dos valores, da ação justa, na firmeza a cada passo.

Ravana é grandioso, poderoso, realizador, grande devoto do senhor Shiva.
Ele é caracterizado como possuidor de 10 cabeças, que representam seus muitos desejos cegos que governavam sua vida criando conflitos internos e desejos tão fortes que encobrem seu conhecimento do Dharma.
Seu pai é o rishi Vishravas e sua mãe é Kaikashí, uma princesa rákshasa.
Ravana fez ascese por muitos e muitos ano, realiza muitos rituais, conhece os Vedas, toca víná, sua mente é firme e focada, sua capacidade de meditação é incomparável.
Ele está sempre focado em alcançar poder e reconhecimento; grande é seu orgulho, sua ambição é cega, seu egoísmo e desprezo por aqueles que possam atrapalhar seus planos de sucesso são imensos.
Deseja ser apreciado e obedecido por todos e tudo que seja belo e grandioso ele considera ter que estar sob seu domínio.

Mandodarí é a rainha, esposa de Ravana. Ela é filha da Apsara Hema, uma linda mulher celestial, e do grande arquiteto dos asuras -- Mayasura.
Mandodarí era extremamente bonita, impressionava a todos com sua beleza. Ela tinha clareza sobre o que é justo e correto, o Dharma, apesar de ter Ravana, um asura, como esposo!
Quando a conheceu, Ravana ficou encantado com Mandodarí por sua beleza e elegância incomparáveis.
Ela sempre conversou com Ravana sobre o Dharma. Quando Sita foi raptada e mantida em cativeiro, Mandodarí disse várias vezes que aquilo era um grande erro, pois Rama não era uma pessoa qualquer, era uma encarnação divina e não seria prudente ameaçá-lo. Mandodarí tem grande respeito e amor por seu marido Ravana, apesar de saber de sua fraqueza em relação às mulheres.
Rama, quando seria coroado rei de Ayodhya, é banido para a floresta por 14 anos. Rama, Sita e Lakshmana vivem na floresta por 13 anos e, faltando 1 ano para o fim do exílio, Sita é raptada pelo asura rei de Lanka -- Ravana.
Apesar de ser aconselhado por seus irmãos, seus ministros e sua esposa Mandodarí a devolver Sita para seu marido, Ravana espera que Sita se entregue a ele.
Ravana estava encantado, apaixonado, cego de desejo por Sita, mas ele não poderia agarrá-la à força, como ele já havia feito com milhares de mulheres. Entre essas muitas, estava a apsara Rambhá. Ele a agarra com força, mas, apesar da resistência dela, Ravana vence. O marido de Rambhá, ao tomar conhecimento disso, o amaldiçoa: Ravana não poderia fazer o mesmo com outra mulher, sem o consentimento dela, caso ele insista, sua cabeça explodiria em muitos pedaços!
Não encontrando Sita em parte alguma, Rama busca ajuda de Hanuman, filho de Vayu, o vento.
Considerando que Sita poderia estar em Lanka, Hanuman dá um salto do Sul da Índia para a ilha de Lanka.
Hanuman procurava por Sita, mas não a conhecia. Rama a descreveu como possuidora de grande beleza e elegância.
Quando Hanuman entra em Lanka, voando à procura de Sita, ele vê o rei Ravana em seus aposentos abraçado com uma belíssima mulher; pela beleza e brilho da mulher, Hanuman pensa ser Sita, mas logo em seguida percebe que não poderia ser Sita, a esposa de Rama! Era Mandodarí!

A seguir, Hanuman descobre a bela e triste Sita, sentada debaixo de uma árvore cantando baixinho: Rama Rama Rama Rama..... e ele retorna para informar a Rama sobre Sita.
É assim que, para resgatar Sita, Rama, Lakshmana e o exército de macacos liderado por Hanuman chegam a Lanka, tendo construído uma ponte, Rama-setu, entre o continente indiano e a ilha de Lanka.
Há então uma guerra entre os guerreiros de Ravana, incluindo seu irmão Kumbhakarna e seus filhos, que durou alguns dias; até que, por fim, Ravana luta com Rama.
Ravana é poderoso e abençoado por Shiva Mahadeva. A luta entre Ravana e Rama é terrível! Hanuman, mais tarde, diz que nunca viu uma guerra como essa!
Por fim, Ravana é destruído, seu corpo está inerte no campo de batalha, como um soldado comum,
O que pareceu quase impossível de acontecer aconteceu -- Rama derrotou Ravana e em breve estaria reunido à sua Sita!
A rainha de Ravana, Mandodarí, chega ao campo de batalha. Ela não consegue acreditar que seu marido estava morto. Maior do que sua tristeza era sua raiva! Não dirigida àquele que matou seu marido, mas a raiva estava dirigida ao próprio Ravana!
Ela permanece por algum tempo a olhar a face amada de seu senhor; tudo parecia queimar dentro dela. Depois de alguns instantes, ela diz com muita dor em sua voz:

“Como isso pode acontecer, meu senhor?! Jamais alguém teve a audácia de ficar de frente para você quando você estava com raiva. Indra tremia ao escutar seu nome. Todos os Devas e Rishis tinham medo de você. Me foi dito que um Rama, um simples ser humano, foi capaz de matar você! Como isso foi possível?
Seus olhos deveriam estar lançando fogo, seus lábios deveriam estar tremendo de fúria e seus dedos deveriam estar alcançando uma flecha em sua aljava para matar seu oponente. Mas, ao invés disso, você está deitado, imóvel, e a raiva não tem lugar em sua face! Esse silêncio não combina com você, meu senhor! Não consigo acreditar no que vejo! Não é possível que um homem possa ter matado o meu senhor.
Este Rama não é um ser humano. Ele é alguém divino. Quando soubemos do fato de que ele, na floresta, matou, sozinho, Khara, Dushana e Trishiras e o nosso exército imenso de 14.000 homens, isso deveria ter sido o suficiente para termos a certeza que ele não é um ser humano comum.
Quando Hanuman entrou na cidade de Lanka, que é inacessível até mesmo para o senhor do vento, você poderia ter percebido que Rama não era um homem qualquer.
Quando eu soube que uma ponte havia sido construída, pelos macacos comandados por Rama, atravessando o oceano – naquele momento eu soube que Rama não era um ser humano comum. Talvez ele seja o senhor Mahadeva que criou Maya na forma de Sita e ele mesmo assumiu a forma do ser humano chamado Rama para este propósito único de matar você!
Sei quem é Rama. Ele é o senhor dos senhores, Narayana. O maior dos yogis, o Paramatma, o mais antigo, a verdade que não tem início nem fim nem meio. Ele é eterno. Ele é o maior entre os grandes, existe além da escuridão chamada Avidya, a ignorância. Ele é o criador do universo. Ele é o senhor com sua concha, cakra e gada (seu bastão) e com Shrívatsa (a Devi) em seu peito. Ele é sempre acompanhado de Shrí, Lakshmi. Ele é eterno e imutável, senhor dos três mundos.
Eu não tenho qualquer dúvida – ele é o próprio senhor Narayana que, para fazer o bem para os humanos e devas, assumiu a forma de um ser humano e esses vanaras, esses macacos, são deuses que vieram à Terra nessa forma!
Meu senhor! Narayana o matou, não foi um homem. Uma vez, você fez tapas, ascese, mantendo controle, perfeitamente, de todos os seus sentidos e agora – de forma surpreendente – esses mesmos sentidos foram os instrumentos para sua destruição. Seu reino, sua riqueza, todos os seus súditos tiveram que ser destruídos, porque você desejou Sita. Ela que é pativrata, devotada totalmente ao seu marido. Ela deveria ter sido honrada por você, mas, ao invés disso, foi insultada. Você deveria tê-la honrado, mas ao invés disso, pediu a ela seu amor. É por causa das lágrimas de tristeza dela que você foi morto.
Há verdade no dito de que um Papi, quem age errado, vai com toda a certeza receber o resultado de suas ações erradas, de seu Papa. Na hora certa o destino fará com que isto aconteça.
Nós éramos tantas em seu palácio e ainda assim sua mente estava focada em fazer Sita responder positivamente aos seus desejos.
De nascimento, tenho o mesmo status de Sita, sou uma princesa. Em beleza, ela não é superior a mim. E, ainda assim, devido à cegueira da paixão, você não conseguiu enxergar o futuro. A morte chega de uma forma ou de outra e, para você, ela veio na forma de Sita. Você trouxe a morte com suas próprias mãos quando trouxe Sita para Lanka. Sita agora estará unida a Rama e viverá feliz a partir de hoje. Mulher desafortunada que sou, o destino me fez mergulhar em um oceano de sofrimento!
Meu senhor, meu muito amado senhor, como poderei viver sem você?! Sua linda face perdeu toda a grandeza. Seus olhos, que eram como o Sol e a Lua, estão agora fechados. Agora já não posso ver o olhar de amor que você sempre teve para mim. Para onde esse olhar foi, meu senhor?! E o seu lindo sorriso?! Sua face está agora coberta pelo pó do campo de batalha e seus olhos estão fechados. Não consigo suportar tudo isso.
Eu sempre fui uma mulher orgulhosa. Tive certeza de que nada poderia afetar o meu senhor. Meu pai é o rei dos Danavas! Meu marido é o grande Ravana! Meu filho é Indrajit, o herói que fez com que Indra, o senhor dos céus, se tornasse humilde frente a ele. Pensando nesses três, sempre fui muito segura. Como poderia imaginar tal calamidade que me privou de meu filho e de meu senhor?
Todo seu corpo, todo seu belíssimo peito está plenamente coberto de flechas. Nem consigo abraçá-lo! Será isso tudo verdade, ou será um terrível pesadelo que terá fim quando eu me acordar? Não! Não! É dilacerantemente verdade!
Yama, deus da morte, sempre teve medo de você. Como ele conseguiu ter coragem para chegar perto de você e prender você em seu laço?
Minha morte foi anunciada quando meu filho Indrajit foi morto; permaneci viva por causa de você; mas agora que você se foi, não há mais nada para mim nessa vida. Evidentemente você não me amou o suficiente, senão você não teria ido embora, me deixado! Talvez eu o tenha ofendido de alguma maneira e para me punir você me abandonou. Só pode ser a maldição de tantas mulheres boas que perderam seus maridos por causa de você. No passado você matou tantos homens bons e as esposas deles choraram lágrimas de sangue. É dito que as lágrimas derramadas por uma Pativrata, uma boa esposa, tem o poder de punir a morte de seu marido. Ao pensar sobre o que passou, seu ato de raptar Sita foi inapropriado. Você fez Rama se afastar de Sita e então a raptou. É estranho que você tenha feito isso. É algo que você nunca fez antes. Esse ato covarde é indigno de sua bravura, não combina com sua coragem.
Você não foi derrotado por Rama na batalha. Foi seu próprio Papam, sua ação errada, que o matou. Como você pode estar deitado no campo de batalha enquanto todos os inimigos e também os devas observam em triunfo?!
Você se apaixonou pela Terra e delicia-se em seu abraço e não mais no meu!”
Mandodari desmaia e permanece deitada ao lado de Ravana. As outras mulheres a reanimam e a confortam.
Mandodari e as outras mulheres sabiam que não mais veriam a face de Ravana e, por isso, seus corações estavam despedaçados. Com os olhos enxarcados de lágrimas, as vozes roucas de tanto choro e grito de dor, elas voltam para o antahpura de Ravana.
Rama e Sita se reúnem, voltam para Ayodhya, onde Rama com Sita a seu lado governa o reino por milhares de anos -- o reino do Dharma, da justiça, do respeito, do que é justo para todos.
||OM TAT SAT||
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